Pesquisadores e professores se reuniram em mesas de discussão que apresentaram diferentes perspectivas a respeito da autoria feminina, negra, indígena e na Era digital
Publicado em 07/05/2025
Por Elena Souza
Nos dias 5 e 6 de maio, segunda e terça-feira desta semana, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) promoveu o seminário Reconfigurações contemporâneas da autoria, que contou com a participação de professores, pesquisadores e ativistas que abordaram a questão da autoria a partir de diversas perspectivas.
Tendo como objetivo as noções de autoria na atualidade, os especialistas apresentaram seu campo de atuação e suas pesquisas que abrangem a temática discutida para qual se voltou o evento.
Primeiro dia
A abertura do Seminário contou com a apresentação dos organizadores do evento: Hélio de Seixas Guimarães e Orna Messer Levin, respectivamente, professores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Eles são também coordenadores do grupo de pesquisa Da autoria literária: história, atualidade e perspectivas, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
À esquerda, os organizadores do evento e o público à direita. Fotos: Julia Forner e Elena Souza/ BBM-USP
Guimarães comentou sobre o interesse em inserir obras de autorias diversas no acervo da Biblioteca, mencionando a aquisição da coleção Cadernos Negros pela BBM e do projeto Livros da Floresta, que é desenvolvido pela Biblioteca. Ele também comentou sobre a presença, no acervo da BBM, das primeiras edições das obras de Nísia Floresta, Narcisa Amália e Julia Lopes de Almeida (autoras cujos livros estão na lista de leituras obrigatórias da Fuvest). Para o professor, isso indica o potencial do acervo Mindlin em não abrigar apenas aquilo que a crítica tradicional e preconceituosa considerou como relevante.
Já Orna Levin salientou a importância de construir uma memória que preserva as identidades de autoria. Nesse sentido, ela convidou todos a refletir a partir de uma perspectiva descentralizada, que não se prende a preconceitos que historicamente ditaram o que deveria ser considerado importante.
Após a fala dos organizadores do evento, teve início a primeira mesa, que tratou da autoria feminina. A mesa foi composta pelas professoras Anna Faedrich, da Universidade Federal Fluminense, e Patrícia Lino, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. A mediação foi de Lucia Granja, professora da Unicamp, que apresentou as convidadas e chamou o público para um diálogo após suas falas.
Anna abordou a marginalização da autoria feminina na história literária e, a partir de seus apontamentos, ela evidenciou que a grande problemática está na maneira como as autoras foram diminuídas. Ela reforçou que, apesar de terem sido esquecidas pelas gerações posteriores às suas, essas grandes escritoras foram reconhecidas pela sociedade de sua época.
Patrícia mostrou seu trabalho de criação audiovisual que parte dos textos de autores como Augusto dos Campos, Florbela Espanca e Homero. Em algumas releituras, projetos escritos são transformados em projetos visuais ou sonoros. Em outras, símbolos fálicos ou figuras viris são satirizadas ou tornam-se símbolos que remetem ao feminino.
Logo após uma sessão de perguntas e comentários do público, foi iniciada a segunda mesa do dia, sobre a autoria negra. A mesa foi composta pela jornalista Bianca Santana, diretora da Casa Sueli Carneiro, e pelo professor Mário Medeiros, da Unicamp. A mediação foi de Paulo Dutra, professor da Universidade do Novo México, nos Estados Unidos.
Mário Medeiros falou sobre a literatura negra periférica, cujo reconhecimento como literatura foi historicamente negado. Ele lembrou do questionamento feito por muitos críticos a respeito da autoria de Quarto do despejo, de Carolina Maria de Jesus. Na apresentação de Bianca Santana, ela salientou que a autoria negra tem reinventado a noção de literatura. Especificamente sobre a literatura negra feminina, ela expôs que se afirmar autora tem sido uma ação coletiva de mulheres no Brasil.
À esquerda, a mesa sobre autoria feminina e, à direita, a mesa sobre autoria negra. Fotos: Julia Forner/ BBM-USP
Segundo dia
No segundo dia, o seminário teve início com a mesa sobre a autoria indígena, composta por Aly David Arturo Yamall Orellana, pesquisador Guarani, e Jamile Anahata, poeta e pesquisadora Mura.
Aly comentou sobre a importância de se localizar como brasileiro para construir um país que valorize a diversidade cultural. Ele salientou a necessidade do letramento étnico indígena da sociedade e explicou que o conceito ocidental de intelectualidade, que leva em conta títulos como mestrado e doutorado, não cabe no sistema epistemológico indígena.
Jamile falou sobre os desafios que a literatura indígena propõe. Ela explicou que a escrita passou a ser um espaço de reconexão com o território, pois a literatura indígena está muito ligada à terra: “o território é um autor”. Segundo a pesquisadora, essa relação conversa com aquela que se tem na literatura imigrante.
A última mesa do evento tratou da autoria na Era digital e contou com a apresentação de Nina da Hora, cientista da computação e ativista, e Marcelo Conrado, professor da Universidade Federal do Paraná. A mediação foi de Marco Antônio Souza Alves, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Nina falou sobre a lógica política do uso de inteligência artificial (IA), que, em muitos sentidos, vem inviabilizando o processo criativo de grupos que buscam retratar a sociedade atual. Acerca da autoria textual que faz uso da IA, ela mencionou a importância de focalizar a edição dos textos e de repensar a concentração de bases de dados que os geram.
Em sua apresentação, Marcelo levantou a reflexão: a lei de direitos autorais é suficiente para proteger a autoria na arte digital? Para essa discussão, ele explorou casos em que a inteligência artificial foi utilizada para a produção artística em variados meios. O professor também indagou a respeito do uso da IA como ferramenta de assistência na autoria para pessoas com deficiência.
Encerrada as mesas, os convidados e o público puderam se unir em uma discussão acerca das questões tratadas durante o evento. O grupo expôs questionamentos, reflexões e percepções a respeito de suas vivências com autoria, seja ela textual ou audiovisual. O diálogo tornou-se importante não apenas para colocar em pauta os aspectos formais de autoria, mas também, e principalmente, para evidenciar a noção de identidade — racial, social, étnico e de gênero — que permeia essa temática.
À esquerda, a mesa sobre autoria indígena e, a direita, a mesa sobre autoria na Era digital. Fotos: Julia Forner/BBM-USP