A reunião marcou uma importante doação do curitibano à BBM, que atualmente abriga quase toda a obra publicada do escritor e é uma referência para o estudo de sua produção literária
Publicado em 14/06/2024
Atualizado em 10/12/2024
Por Elena Souza
No dia 12 de junho, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), em parceria com o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP e a editora Tinta-da-China Brasil, promoveu uma homenagem ao autor Dalton Trevisan (1925-2024), que completou 99 anos no dia 14 daquela mesma semana. No evento, seis convidados, com participação especial de Fabiana Faversani, representante do escritor, trataram da vida e obra daquele que ficou conhecido como o vampiro de Curitiba. O evento contou com o anúncio de uma importante doação de Trevisan à BBM, o relançamento de três de suas obras e o lançamento de um livro de ensaios.
Sob um clima de festa de aniversário, o evento foi iniciado pelos professores Fernando Paixão e Hélio de Seixas Guimarães, respectivamente, do IEB e da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Guimarães anunciou o lançamento do livro digital Dalton Trevisan: uma literatura nada exemplar. Organizado por ele e por Paixão, a obra é resultado de uma parceria entre o IEB e a Tinta-da-China Brasil. Essa é a primeira publicação a reunir ensaios de vários autores sobre a obra do escritor. O professor destacou que o trabalho é fruto do Colóquio Dalton 90: Homenagem aos 90 Anos de Dalton Trevisan, que ocorreu há 9 anos, também sob organização de Guimarães e Paixão, promovido pelo IEB e pelo Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira da FFLCH.
A proposta, tanto dos eventos como do livro, foi celebrar a vida de Dalton Trevisan e estimular maior circulação de sua obra, visto o modesto número de estudos críticos publicados a seu respeito. Para baixar a coletânea que conta com textos de oito autores, um conto de André Sant’Anna e uma entrevista com Berta Waldman, basta acessar este link.
Esse lançamento coincidiu com o relançamento dos títulos Cemitério de elefantes, Macho não ganha flor e Contos eróticos, de Dalton Trevisan, em novas edições pela Record, editora do escritor.
Houve, também, o anúncio de uma importante doação do escritor à Biblioteca: 21 traduções e 41 plaquetes (que pode ser chamado de livrete, caderninhos ou pequenas brochuras). As plaquetes são compostas por textos que Trevisan enviava para alguns amigos pelos Correios, ou seja, um elemento de raridade, já que poucas pessoas receberam esses conteúdos.
Os itens doados se uniram ao material daltoniano já abrigado anteriormente pela BBM. Atualmente, a Biblioteca é uma referência para o estudo da produção literária de Trevisan, pois possui quase toda a obra publicada do autor. Algumas dessas publicações são primeiras edições, lançadas entre 1940 a 1990, e que contém dedicatórias para figuras conhecidas no mundo literário e cultural, como Alfredo Bosi (1936-2021), professor emérito da FFLCH.
Paixão comentou sobre o entusiasmo em elaborar esse projeto de homenagem e apresentou para o público uma mensagem que o próprio autor o enviou, na qual comenta, poeticamente, sua ausência no evento: “não é voto de silêncio ou recusa social, o meu grito de ‘ei, estou aqui!’, nada tenho a dizer fora dos meus livros!”, leu o professor do IEB. A mensagem de Trevisan se refere ao comportamento recluso de toda uma vida, que lhe rendeu o título de “vampiro de Curitiba”, apelido herdado do seu mais conhecido personagem, que faz parte do livro de contos homônimo, lançado em 1965.
A opção pela conduta vampiresca foi esclarecida por Paixão, quando contou sobre uma conversa que teve com o escritor curitibano, em 1994. O anonimato, segundo Trevisan, o beneficiava porque sua criação era inspirada na essência que capturava das ruas e das pessoas que não o reconheciam. Essa conduta permitiu, então, que o vampiro de Curitiba vagasse pela cidade se alimentando de histórias.
Fotos: Mariana Maux
Os convidados realizaram leituras de textos do escritor, salientando, através dos trechos escolhidos, as diversas facetas do autor e de sua obra que, segundo Ana Lima Cecílio, curadora da 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), configura um painel de humanidades. Andrea del Fuego (escritora) escolheu a temática da velhice em Mistérios de Curitiba; Reinaldo Moraes (escritor) garantiu a presença do O vampiro de Curitiba ; Rodrigo Lacerda (escritor) optou por um poema em prosa de Chuva ; Amara Moura (escritora) selecionou o conto O bem-amado e Alcides Villaça (escritor e professor) apresentou O anão e a ninfeta, além de um texto autoral escrito especialmente para o evento.
As leituras, somadas à fala de todos os participantes, enriqueceram a homenagem à vida de Trevisan e estimularam ainda mais o conhecimento de sua obra. Sobre o lançamento de Dalton Trevisan: uma literatura nada exemplar, o escritor declarou, através de mensagem lida por sua representante Fabiana Faversani para os presentes na reunião promovida no Espaço Brasiliana:
“Confessei tanto dos outros e de mim, e meio assustado me pergunto se terá valido a pena. Fato é que, bons ou não, nunca soube outro ofício, que mais teria feito? Consertar solas de sapato segundo o exemplo de Tolstói? (...) Escreve primeiro e se arrependa depois. Você sempre se arrepende... Mas, depois de ler esses ensaios e descobrir que tenho tão bons leitores me arrependo um pouco menos. Mas, ainda me pergunto: “ei, vampiro, qual é a tua?”
É possível assistir o vídeo desse evento pelo canal da BBM no YouTube.