O evento realizado na Biblioteca foi uma oportunidade de falar sobre a obra do escritor e o seu legado para as novas gerações

Publicado: 16/06/2025

Por Eliete Viana

Na tarde do dia 11 de junho, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP realizou o evento “E agora, Dalton? — Homenagem aos 100 anos do escritor”, no Auditório István Jancsó, do Espaço Brasiliana.

Convidados evento Dalton Trevisan 2025

Da esquerda para direita: Hélio de Seixas Guimarães, Fabiana Faversani, Eliane Robert Moraes e Flora Süssekind. Foto: Eliete Viana/ BBM-USP

“A ideia é celebrar este escritor imenso, singularíssimo, criador de um universo de uma diccção absoultamente única, que por mais de 80 anos participou da cena literária brasileira, que certamente ficou mais vazia e sem graça desde a sua morte em dezembro”, destacou um dos organizadores, Hélio de Seixas Guimarães, vice-diretor da BBM e professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), no início do evento.

Guimarães lembrou que no ano passado, o escritor assistiu a homenagem dos seus 99 anos pelo canal da BBM no YouTube, de Curitiba, e tinham a expectativa que ele pudesse acompanhar as comemorações dos 100 anos. E enfatizou que “foi sob o impacto da morte de Dalton Trevisan que pensamos neste evento e queríamos sucinto, singelo e forte, um começo de conversa sobre o legado imenso que ele nos deixou e também uma oportunidade para fazermos nossas apostas na sobrevivência de Dalton Trevisan”.

O vice-diretor explicou o título escolhido para o evento, que contém uma certa perplexidade e melancolia pela sua ausência”, mas também sugere uma outra forma de presença, “que é a presença dos grandes escritores, que ao morrerem passam a viver uma vida póstuma, “no caso dos grandes escritores muito mais longa do que a viva mais ou menos ordinária que todos nós vivemos”.

Ele ainda mostrou a relação da BBM com a obra do autor: “A Biblioteca reúne uma daltoniana completa”, após a doação feita por Trevisan ainda em vida e que foi anunciada no evento em comemoração aos seus 99 anos, realizado em 12 de junho de 2024.

Mesa-redonda

A mesa-redonda começou com a fala de Fabiana Faversani, editora, representante literária e gestora da obra de Dalton Trevisan, e que conviveu com o autor nos últimos 20 anos. Ela disse detestar falar em público, por ser uma pessoa de bastidores, e que sua contribuição já foi feita com a curadoria da exposição que está em cartaz na BBM desde 20 de maio e vai até 10 de agosto: Dalton Trevisan — Espião de almas.

Fabiana comentou sobre a rotina de tratamento dos seus textos e como ele controlou em vida a sua obra, que ele acumulou um acervo documental sobre a sua obra desde os 14 anos até o fim da vida. “Uuma vida inteira dedicada à literatura".

A crítica literária e professora de Literatura Brasileira da FFLCH-USP, Eliane Robert Moraes, chamou atenção sobre haver “certos elementos de sujeira e marginalidade nas obras de Dalton”, mostrando animais chafurdando na lama e muitos personagens com problemas gastrointestinais, como prisão de ventre. E apresentou alguns trechos que demonstram a sua observação: "se você sofresse de flatulência...espero que um mamão lhe faça bem".

Segundo Eliane, "tem algo de uma sujeira, que não se sabe o que fazer com isso, como lidar com a sujeira. Essa sujeira que se esconde e também está se manifestando o tempo todo”.

Já Flora Süssekind, professora do curso de Estética e Teoria do Teatro do Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), questionou quais são os interlocutores de Dalton, que ele tem uma vocalização do escrito, falou de pontos ligados ao teatro que Dalton fez.

Na fase de perguntas, Guimarães perguntou como elas vêm Dalton e sua literatura hoje. Flora respondeu que a literatura não é questão de acolhimento, no sentido de que nem tudo que se lê precisa ser politicamente correto, no tom educativo, que todo mundo está meio “fadinha”; enquanto que Eliane disse que é importante mostrar as sujeiras “e não só entrar no puteiro pra falar da sujeira que lá tem”, de uma forma que esteja condenando o local, porque “ele é um autor pra perturbar essa ordem"; e Fabiana complementou “a obra dele é uma literatura muito ousada, que quer perturbar mesmo”.

Cartas

Na segunda parte, foi realizada uma sessão de leituras de cartas de Dalton Trevisan, na qual o outro organizador do evento, Fernando Paixão, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP, contextualizou o período em que as correspondências foram enviadas, e o ator e dramaturgo da Companhia de Teatro Acidental, Arthur Kon, leu as cartas.

Leitura de cartas Dalton Trevisan 2025

À esquerda, Fernando Paixão e, à direita, Arthur Kon. Foto: Eliete Viana/ BBM-USP

Nas cartas escolhidas para serem apresentadas no evento, o escritor comenta sua obra e também outras questões, e as quais demonstram o seu relacionamento com escritores e editores e as mudanças ao longo do tempo com eles: Carlos Drummond de Andrade, Ênio Silveira; Otto Lara Resende, um dos seus grandes amigos e interlocutores; Hélio Pellegrino; João Antônio; José Paulo Paes. O lado pessoal e mais íntimo também se fez presente com as correspondências para as duas filhas, a Rosana e a Isabel, no período em que elas estavam passando uma temporada na Europa.

Muitos trechos lidos fizeram o público presente no Auditório dar muitas risadas, por causa da ironia e sarcasmo contido nas mensagens. Como, por exemplo, no momento da apresentação de algumas das trocas de mensagens entre Trevisan e Lara Resende, que nem sempre passaram pela amizade intíma e gentileza, pois houve momentos também de tensão, mostrados em uma sequência de bilhetes em que o escritor reclama da demora do amigo em dar opinião sobre os contos que ele havia enviado.

Além das correspondências com escritores, editores e a família, foi mostrada uma mensagem trocada com Paixão, em fevereiro de 2024, quando o professor o avisou que iria ser feita uma homenagem aos seus 99 anos [link evento]. Na mensagem, Trevisan agradecia os elogios e aparecem elementos que comprovam porque ele era discreto e não gostava de aparecer, que apareceu também em carta trocada com o escritor João Antônio: "Nada tenho a dizer fora dos meus livros".

Confira o vídeo do evento pelo canal da BBM no YouTube neste link.