A mostra vai apresentar ao público livros da Coleção BBM, correspondência, recortes de jornais, entrevistas, livros raros, fotografias, diários, colaboração em periódicos, livros da biblioteca do autor com marginálias e documentos pessoais
Publicado: 14/05/2025
Por Eliete Viana
No ano do centenário de nascimento de Dalton Trevisan, que seria completado em 14 de junho, a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP vai abrigar parte das atividades de comemoração com a realização da exposição Dalton Trevisan — Espião de almas, a partir do dia 20 de maio até 10 de agosto. O autor vem sendo tema de vários projetos e homenagens e terá sua obra completa reeditada pela Editora Todavia.
O escritor é uma das principais referências do conto no Brasil. Foram, ao longo de oitenta e cinco anos de carreira, 36 livros editados e sua obra se tornou nacional e internacionalmente conhecida graças às traduções e à repercussão dos prêmios literários. Ele articulou fragmentação, reescrita e rearranjos e forjou seu próprio universo literário, sem curvar-se à exposição midiática e distrações sociais. Produziu uma obra radical e única dentro da literatura brasileira.
Dalton Trevisan — Espião de almas expõe as cruezas do mundo, os desejos e as perversões humanas. O autor “combinou o cânone literário à violência cotidiana retratada em jornais. Vampirizar o mundo ao redor. Perseguiu a palavra exata, a forma breve. Sua obra segue assombrando”, é explicado sobre o nome da exposição, que tem curadoria de Augusto Massi, professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e de Fabiana Faversani, representante literária de Dalton Trevisan e editora. A expografia é de Chico Homem de Mello, que é designer, professor e pesquisador.
A exposição é uma homenagem que se faz à vida desse contista, através de uma visita guiada pela obra e vida do autor centenário. Será apresentada ao público, pela primeira vez, a coleção completa dos títulos de Dalton Trevisan doados à BBM: 21 traduções e 41 plaquetes (que pode ser chamado de livrete, caderninhos ou pequenas brochuras). Além dos itens da BBM, a exposição irá mostrar um recorte de itens inéditos do Arquivo Dalton Trevisan, que estão sob a guarda e foram gentilmente emprestados pelo Instituto Moreira Salles (IMS). O arquivo é composto por 31 cadernos e 2954 laudas de diário pessoal; correspondência (2297) com diversos escritores, teóricos, tradutores e editores, nacionais e estrangeiros, entre eles José Paulo Paes e Antonio Candido, cujos acervos estão sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), mas também toda geração da Revista Pasquim e seus grandes amigos Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino, Fernando Sabino e Rubem Braga.
Dalton era o rei das emendas: “sempre fiz, faço e farei alterações nos originais e nas provas”
Essa correspondência retraça seu projeto literário – pois este é, em geral, o tema abordado pelos correspondentes – e o amadurecimento do autor frente às suas questões como escritor. É aí que se vê o curitibano, geralmente conhecido por ser esquivo e reservado, falar de si e dar detalhes sobre o processo de produção dos contos, sobre a temática, percalços editoriais, além de espaço para exercícios de crítica literária, incorporados na sua produção literária, prova que, apesar de aparentemente isolado, continuou se atualizando e renovando radicalmente a obra.
Nos diários, anotava histórias ouvidas durante suas andanças ou lidas em jornais, hábitos alimentares e da rotina, queixava-se, comentava livros e filmes. Usava esses registros como esboço para os contos e, ao fim dos cadernos, colocava o título que receberia cada história e data. Colecionou recortes de temas variados, sobretudo de sua própria fortuna crítica e de crimes.
“O acervo fornece indícios importantes sobre a formação e consolidação do que atualmente reconhecemos como o estilo do autor. Nos permite acompanhar como se deu a recepção crítica à época e a postura do autor em relação ao imaginário criado em torno de si, tanto na escrita pessoal (diários e correspondência), como em entrevistas e na incorporação dessas figuras autorais na sua obra, uma cesta cheia de broinha de fubá mimoso, não só para entender sua produção literária, mas, também, e principalmente, utilizada como fonte desta”, destaca a curadoria da exposição, composta por Augusto Massi, professor de Literatura Brasileira da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e por Fabiana Faversani, representante literária de Dalton Trevisan e editora. A expografia é de Chico Homem de Mello, que é designer, professor e pesquisador.
A curadoria avisa ainda que “quem se aventurar nesse labirinto ficcional encontrará o enfant-terrible (um termo francês para designar uma criança que é famosa por dizer coisas embaraçosas aos adultos, em especial aos pais, mas pode ser uma pessoa que geralmente tem sucesso e que é fortemente não ortodoxo, inovador ou de vanguarda) editor da revista Joaquim e de caderninhos artesanais que antecederam o conceito de poesia marginal dos anos 70; o colaborador da Pasquim e alvo da censura; criador obsessivo de contos, fichamentos, listas de palavras, correspondências e diários. Sempre à espreita, incorporou à obra trechos de canções e filmes, o cânone literário e a violência retratada em jornais e processos jurídicos. Nunca parou de se renovar. Vampirizou o mundo ao redor”.
O “Vampiro de Curitiba”, apelido que Dalton Trevisan herdou do seu mais conhecido personagem, que faz parte do livro de contos homônimo, lançado em 1965, marcou o último século da literatura brasileira. Seu estilo singular e sua recusa de qualquer moralização vem conquistando prêmios e admiradores nas últimas sete décadas.
Dalton Trevisan nasceu em 1925, em Curitiba, no Paraná, e faleceu na mesma cidade, em 9 de dezembro de 2024. Durante sua adolescência, já manifestava propensão para a escrita: existem alguns registros de textos do autor publicados no jornal O Dia e na revista infantil Tico-Tico, por volta de 1938.
Estudou no Colégio Estadual do Paraná e graduou-se em direito pela Universidade Federal do Paraná durante a década de 40, quando trabalhou como editor da revista Joaquim (1946-1948), que fundou junto a dois colegas. Com 21 edições, a revista se caracterizou como uma produção modernista que abrigava ideais revolucionários dos jovens acerca de arte e cultura.
Nessa mesma época, o escritor, que costumava divulgar seus contos através de folhetos, lançou Sonata ao luar e Sete anos de pastor, em 1945 e 1948, respectivamente, sendo essas as duas primeiras obras atribuídas a ele. Entretanto, ambas foram renegadas por Trevisan, que reconhece como seu primeiro trabalho o título Novelas nada exemplares, publicado já em 1959 e o primeiro pelo qual ganhou o Prêmio Jabuti, em 1960.
Posteriormente, o autor ganhou mais três Jabutis: em 1965, por Cemitério de Elefantes; em 1995, por Ah, É?; e em 2011, por Desgracida. Em 2003, pelo livro Pico na veia, ganhou o Prêmio Oceanos, à época conhecido como Prêmio Portugal Telecom de Literatura. E, além desses, em 2012, foi vencedor do Prêmio Machado de Assis e do Prêmio Camões.
Exposição Dalton Trevisan — Espião de almas
Quando: 20/05 a 10/08, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30
Onde: Saguão e Sala Multiuso da Biblioteca Brasiliana Mindlin
Rua da Biblioteca, 21 – Cidade Universitária, São Paulo
Quanto: Entrada gratuita